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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

O SECRETÁRIO DO PASTOR (Conto)

 

Era um vilarejo pequeno e cheio de encantos, um povo devoto e metido à caridade sem esperar retorno e reconhecimento. Um povo acolhedor e temente a Deus, aberto ao trabalho voluntário e à educação dos filhos, que não havia distinção se eram os seus ou dos seus vizinhos. Crianças costumavam brincar nas ruas e os jovens já crescidos passeavam nas praças a procura de romance ou aventuras afetivas.

Havia sempre a expectativa em relação aos fins de semana, em especial os sábados, dia de missa na igreja central do vilarejo e onde os jovens disputavam os lugares da capela próximo às portas para não sentirem calor, e saírem, ao terminar a cerimônia, mais rápido a fim de desfrutar dos melhores bancos da pracinha, que servia, por vezes, de extensão da capela em missas de grandes devoções como Natal e Páscoa.

Certo dia, chegou um pastor para arrebanhar a assembleia do vilarejo, cheio de poderes econômicos e amizades com os políticos da cercania. Olhava para o povo bom do lugarejo, principalmente para os mais sofridos na vida, por motivos que fogem até a compreensão humana. A fome era uma constante para alguns, e a vida não era fácil para aqueles que dividiam o pouco que tinham com estes que estavam além das margens da miséria.

O pastor, ao compadecer-se da dor da população, tratou de procurar meios e subsídios para amenizar o sofrimento dos que padeciam e, como também, apaziguar o coração daqueles que se doíam ao ver a situação degradante de muitos que não tinham o que comer, o que vestir e o que oferecer aos seus filhos e descendentes que chegavam aos montes todos os anos.

Seguindo os passos do pastor, veio um homem que se dizia muito religioso, acompanhado de sua família carregada de preconceitos e expressões discriminatórias, olhares que julgavam a todos sem distinção. Este sujeito, cheio de espertices e palavras bajuladoras, aproximou-se do pastor e fez-se braço direito deste. Com sua voz mansa e olhar dissimulado, enveredou-se no rebanho afastando as ovelhas que mais necessitavam do conforto e do amor de Deus.

Homem cheio de intenções não tão claras, subserviente aos ricos e arrogante com os pobres. Dizem, não se sabe quem, que se aproveitou até das chaves dos cofres da caridade e fez-se rico em terras de pobres. Abriu espaço para outros pastores recolherem as ovelhas desgarradas ou descartadas do rebanho principal e por este motivo a caridade, que era prática comum entre os habitantes do vilarejo, virou avareza, o perdão transformou-se em julgamento e discriminação, o amor converteu-se em dúvidas, e a educação fez-se moeda de troca de favores e de mais riqueza para o secretário do pastor.

A roda do tempo muda tudo, o cansaço chega a todos, e a verdade traz luz à consciência. E o secretário caiu em descrédito entre aqueles que o cercavam, por benesses ou por desfrute de migalhas que caiam dos seus bolsos, as cobranças da vida e da Justiça Divina que chegam aos confins da terra e da consciência humana.

No entanto, o estrago já estava feito. A população antes pequena e agora grande, diante das leituras de mundo, clássicos, filósofos, sociólogos e historiadores fizeram que o humano vilarejo, agora, parecesse com uma enorme selva de pedra onde o sobreviver individual fez-se prioridade diária. Quanto ao pastor, desapareceu dos olhos de seu rebanho e com o tempo desapareceu da lembrança e da memória daqueles que tanto se beneficiaram com sua generosidade.

 

Davi Moura Nobre

Professor da Rede Estadual de Ensino do Ceará

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